sexta-feira, junho 15, 2012

O que é ver?


- Você viu aquilo?
- Vi. O cara colocou a mão na bola de propósito!
- Não, rapaz, a bola bateu na mão dele! Ele nem percebeu que ela estava vindo!

O olho funciona de forma interessante. Algumas faixas de onda eletromagnética são filtradas, convergidas em um aparato que é sensibilizado por elas. Este aparato, também conhecido como retina, transmite a informação recebida, através do nervo ótico, até o cérebro. No cérebro, a informação é decodificada, e nós vemos. Parece "simples".

Mas não é nada simples.

Primeiro, porque o tipo de energia eletromagnética que somos capazes de perceber é, comparativamente com as frequências existentes, muito restrito.

Nosso aparelho de recepção e agrupamento de espectros eletromagnéticos (o olho humano) só consegue perceber, convergir e codificar a energia eletromagnética que possui comprimento de onda entre aproximadamente 400 e 700 nm (nanômetros, ou seja, 0,7 X 10 elevado a menos 6, ou seja, a décima milionésima parte de um metro, ou seja, algo muito muito muito pequeno).

Se considerarmos que existe energia eletromagnética desde a escala do Femtômetro (10 elevado a menos 15 metros, ou 0,000000000000001 metros) até a escala do Megâmetro (10 elevado a 6 metros, ou 1.000.000 metros), então percebemos que, no fim das contas, nossa capacidade de ver as coisas é muito pequena.

Diversos animais conseguem ver mais do que nós. E mesmo as plantas conseguem perceber espectros que nós não percebemos.

Ver não é só perceber a luz. Ninguém diz que o girassol vê a luz do sol. Perceber a luz é o primeiro passo, mas ver envolve também a capacidade de formar imagens, de dar forma ao que se percebe. A maioria dos animais é capaz de ver. Diferente de nós, melhor ou pior do que nós, muitos animais veem (sem acento, de acordo com as novas regras da língua portuguesa).

Acontece que ver não é algo objetivo, mas interpretativo. Há quem diga que a chegada da informação ao cérebro é só a primeira etapa do processo de ver. Para vermos, é preciso interpretação do que vemos.

Essa interpretação pode ser complexa. O diálogo que iniciou o texto é um exemplo bobo, mas eficaz, de como ver não é uma coisa objetiva. Quem já teve oportunidade de se deparar com ilusões de ótica também  já deve ter percebido que o cérebro, independente de nossa vontade, influi muito em como vamos interpretar o que vemos. Uma cor parece diferente a depender do contexto. Uma forma pode se transformar em outra a depender do enfoque. Uma ação pode ser entendida de maneiras diferentes a depender de como seja analisada, vista.

Nós costumamos pensar em como algo que percebemos é, obviamente, aquilo que pensamos que é, ou representa aquilo que pensamos que representa. Temos grande dificuldade de extrapolar o nosso ser e (eu sei que é difícil) tentar "ver" as situações de outra maneira. Meu irmão sempre brincava, quando criança (e eu concordo com ele) dizendo que "o verde que eu vejo não é o mesmo que você vê". E ele está certo - sob um ponto de vista.

Imaginemos que duas pessoas estão, no mesmo momento, a olhar para o mesmo objeto. Imaginemos que este objeto é uma cadeira verde, numa exposição de arte. As duas pessoas se encontram muito próximas, com ângulo de visão muito parecido. A incidência das ondas eletromagnéticas refletidas pela cadeira nos olhos das duas pessoas é praticamente o mesmo. Então, elas estão vendo a mesma cadeira, com o mesmo verde, certo?

Não necessariamente. Primeiro, que suas células são diferentes. Mesmo que nenhuma das duas tenha "defeitos" na percepção da luz (por exemplo, nenhuma é daltônica), suas células são diferentes. Só isso já cria a POSSIBILIDADE de que vejam a mesma cor de forma ligeiramente diferente. No mundo prático, essa diferença pode, ao fim das contas, não fazer diferença. No mundo da discussão filosófica, contudo, você não pode afirmar que elas estão vendo, seguramente, a mesma cor.

Segundo, que cada pessoa traz consigo uma bagagem cultural diferente. São pessoas diferentes, que tiveram educações diferentes, que viveram coisas diferentes, e que interpretam coisas de formas diferentes. Portanto, necessariamente, terão relações diferentes com aquela cadeira verde. Não só porque o verde que uma vê não é o mesmo que a outra vê, mas também porque para uma, cadeiras representam uma coisa e para a outra, outra coisa. Cada uma possui sua própria bagagem conceitual, emocional e prática com cadeiras e com a cor verde. Uma das pessoas pode achar que verde não é uma cor apropriada para cadeiras, enquanto outra pode pensar que uma cadeira verde é uma forma de representar o momento de descanso da natureza. Elocubrações à parte, as experiências, por mais próximas que sejam, são únicas e intransferíveis.

Contudo, pode-se trocar informações sobre essas experiências. Podemos conversar, discutir, argumentar sobre o modo que cada um percebe, vê e pensa aquela cadeira verde. Podemos também tentar entender o que o outro pensa sobre o assunto, como ele viu a cadeira, o que aquilo tudo representa para ele, e tentar mostrar para ele o que aquilo representa para nós. O outro pode discordar, concordar, se divertir, se irritar, a depender de como façamos isso. E vice-versa.

Aí está, para mim, um dos grandes problemas do mundo. Não é um problema novo. Na minha opinião, sob minha perspectiva, na minha ótica, o mundo tem problema de ver pelos olhos dos outros. E não é apenas uma dificuldade conceitual, de entender o que o outro vê, e como ele vê. É um problema de vontade.

Não vejo as pessoas dispostas a, antes de fazer julgamentos sobre ações ou opiniões, tentar entender o ponto de vista do outro. Se alguém te fecha no trânsito, necessariamente é um filho da puta. Se alguém pisa no seu pé, ou é um estúpido que fez isso de propósito, ou é um idiota que não olha por onde anda. Se aquela pessoa grita, a primeira reação é gritar de volta, em vez de tentar entender o que (possivelmente) está afligindo aquela pessoa para que ela tenha tido que gritar conosco.

Se somos necessariamente diferentes, porque não conceber que o outro interpreta as coisas diferentemente de nós e, antes de agir, pensar sobre os motivos que levaram a pessoa X ou Y a agir como agiu? Principalmente quando estamos dispostos a agir com violência ou de alguma forma que vá ferir - não apenas fisicamente - o outro.

Falta paciência, educação, vontade, a todos nós. Acho que precisamos rever isso.

Claro, isso é o meu ponto de vista. Fiquem à vontade para ampliar a minha capacidade de perceber diferentes frequências de ondas eletromagnéticas que extrapolem a física.