quinta-feira, agosto 13, 2009

Sobre o aborto

Alguém me disse que, no futuro, quando as pessoas lembrassem de nossa época, comparariam a proibição do aborto com os absurdos que aconteciam na segunda guerra mundial e coisas afins.

Apesar de ser a favor do aborto, eu contra-argumentei que as coisas não eram tão simples, e que este tema era muito mais complexo do que poderia parecer. Falei um pouco sobre as questões (óbvias) da religião (muito rapidamente) e depois, das questões morais envolvidas. Foi então que a pessoa me perguntou:

- Quais questões morais?
- Bom... fazer um aborto É matar alguém, é tirar uma vida, no fim das contas. Ou você é a favor da pena de morte?
- Não, não sou a favor da pena de morte, mas para mim o feto ainda não pode ser considerado uma vida.
- E quando já pode ser considerado uma vida - perguntei.
- Quando nasce.

À primeira vista, pode parecer uma resposta (quase) razoável. Porém, eu perguntei em seguida:
- E se as dores do parto começam, a grávida está com 9 meses, e se arrepende, e decide abortar, aí poderia? Afinal, o bebê ainda não nasceu.

A pessoa não soube o que responder.

Discutir o aborto é muito mais complicado do que parece. Claro, algumas pessoas vão simplesmente dizer que "Deus proibe" e pronto. Neste caso, não houve uma discussão. Mas quando se inicia uma discussão sobre o assunto, quando se começa a avaliar os prós e contras, começamos a ver que mesmo entre os que são a favor do aborto existem questões que não são unanimes.

Alguns vão dizer que se pode abortar em algumas situações específicas, outros que se pode abortar sempre, outros que nunca se pode abortar.

Na Código Penal Brasileiro, o Aborto é "Crime contra a vida", prevendo de 1 a 4 anos de prisão. Mesmo assim, no artigo 128 está escrito que o aborto deixa de ser crime se for cometido nas seguintes situações:
a) quando não há outro meio para salvar a vida da mãe
b) quando a gravidez resulta de estupro

(no texto original:
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
* Aborto necessário. I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
* Aborto no caso de gravidez resultante de estupro. II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.)

Isto não necessariamente quer dizer que a pessoa NÃO COMETEU um crime, apenas diz que ela não deve ser punida por cometê-lo - a Escusa Absolutória.

Nestas duas ressalvas do Código Penal, quase todos os que são, de alguma forma, a favor do aborto, estão de acordo. Há quem diga que "alguém que esteja grávida pode ir a um hospital, dizer que foi estuprada e pedir um aborto". Sim, isso é possível. Claro que ela terá que passar por um processo judicial envolvendo a polícia mas sim, isos é possível.

E porque alguém quereria fazer um aborto?

Vou comentar aqui as razões mais óbvias.

Primeiro, as pessoas que mais engravidam no Brasil são mulheres de classe baixa. Diversos fatores colaboram para essa estatística: a recusa dos parceiros em usarem camisinha, a desinformação, a vergonha de pegar o preservativo em um posto de saúde, a religião (sexo apenas para a procriação), o medo de que os pais descubram que estamos fazendo sexo, o preconceito. No MST, por exemplo, foi preiso fazer um grande trabalho de conscientização entre os homens, mas principalmente entre as mulheres, para que elas aceitassem o uso da camisinha como algo natural.

Essas mulheres, por serem de classe baixa, possuem grande dificuldade financeira. Ter um filho implica em grandes gastos, e além disso, disponibilidade. É muito complicado fazer faxina, por exemplo, estando grávida ou com um filho recém nascido. Mesmo que a criança estude em escolas públicas e seja atendida em serviços públicos de saúde, ela precisa comer, se vestir, e brincar. Tudo isso implica numa série de gastos que complicam bastante a vida de alguém que já possui problemas financeiros. Ou seja, esta criança, esta nova vida que, de acordo com a Constituição Nacional, é uma vida e deve ser protegida, estará propensa a uma vida repleta de lacunas, difícil, sem grandes perspectivas (O que não quer dizer que as pessoas, simplesmente por terem dinheiro, tenham condições de cuidar de uma criança).

Isso se torna pior quando a mãe é muito nova. O indice de adolescentes grávidas no Brasil é bastante alto, e novamente, maior nas classes mais baixas. No caso das adolescentes, seu corpo ainda está em formação, prejudicando diretamente a mãe e o feto. Sem contar que normalmente as adolescentes não possuem maturidade suficiente para assumirem o papel de mãe, relegando, em grande parte dos casos, a criação da criança aos avós. Assim, ter um filho na adolescência pode inviabilizar não apenas as metas individuais de vida - estudo, carreira - como pode causar problemas de saúde.

Permitir o aborto nestes casos poderia evitar o que acontece muito no Brasil: crianças vivendo em situações ruins para seu desenvolvimento por incapacidade paterna de cuidar delas.

Outro motivo para fazer o aborto é quando a gravidez provêm de um encontro sexual casual. Para muitos, ter um filho de alguém que você não conhece nem quer constituir família pode ser muito complicado, porque além de criar um vínculo com esta pessoas, o próprio filho leva consigo este estigma.

O problema destas permissões é que o aborto corre o risco de ser utilizado como "método contraceptivo" (apesar do paradoxo do termo, já que contraceptivo quer dizer contra a concepção, contra a gravidez), ou seja, é possível que as pessoas se preocupariam menos em se proteger porque existiria mais facilmente a opção do aborto.

E existem diversas pessoas que, independente da religião, são contra o aborto, por considerarem que o embrião, o óvulo fecundado, já representa por si uma vida, ou uma possibilidade de vida, e são contra o aborto no caso de uma criança com má formação de encéfalo. Afinal, no Decreto-Lei n 2848 de 7 de dezembro de 1940 ( o Código Penal) há uma Parte Especial, e em seu Título 1 temos os Crimes Contra a Pessoa, e em seu Capítulo 1 trata dos Crimes Contra a Vida. E o aborto seria tirar uma vida.

Sim, já se pode considerar o embrião uma vida, assim como eu posso consierar uma célula do meu sistema nervoso uma vida. Mas retirar um apéndice não cria tanta polêmica quanto retirar um feto. A questão aí é a possibilidade futura.

O feto possui a possibilidade de se tornar um ser humano. Em termos estritos, um feto não é ainda um ser humano, mas se seu desenvolvimento seguir o curso natural, se tornará em um. Assim, a luta contra o aborto não é apenas a luta a favor da vida em qualquer significado que isso possa ter, mas sim a de um ser humano vir a existir.

Se levarmos esse raciocínio a seu limite, podemos dizer que é errado usar contraceptivos porque eles impedem o desenvlvimento do futuro embrião.

Alguns dizem que o aborto pode ser aceito quando o feto ainda não é um ser humano.

Nos dois raciocínios, temos o seguinte problema: quando o feto passa a ser um ser humano?

Alguns vão dizer que desde a concepção do óvulo, temos um ser humano. Outros vão definir desenvolvimentos biológicos para definí-lo como ser humano.

Para mim, o feto se torna um ser humano quando possui consciência. Na décima-segunda semana de gestação, o feto desenvolve seu sistema nervoso e, com ele, sua consciência.

Eu não sou o único. Os que defendem o aborto em casos de bebês anencéfalos tomam a consciência do bebê como a linha entre o que poderia ser considerado um ser humano e o que não poderia.

De qualquer forma, não é uma discussão simples. Quer deixar a sua opinião?

Ah, sim, eu sou a favor do aborto. Até a décima-primeira semana de gestação.

Abaixo seguem alguns sites que falam sobre o assunto. Sites em português, a favor do aborto, quase não existem. Em compensação, sites contra o aborto são abundantes.

Pró:
http://www.womenonwaves.org/

http://www.medicationabortion.com/

http://abortodireitoadecidir.blogspot.com/2007/01/as-mulheres-saem-tristes-porque-abortar.html

http://www.ladybugbrazil.com/2008/01/22/dia-de-luta-pro-aborto/

http://www.abortolegalize.cjb.net/


Contra:
http://contra-o-aborto.blogspot.com/

http://www.defesadavida.com.br/

http://www.brasilsemaborto.com.br

http://www.aborto.com.br

http://www.mdig.com.br/index.php?itemid=2344

http://twitter.com/contraoaborto

http://diasimdiatambem.wordpress.com/

http://aborto.aaldeia.net/

Veja também:

Clínicas de aborto no Rio são fechadas:
http://g1.globo.com/Noticias/Rio/0,,MUL1265648-5606,00-MEDICO+E+PRESO+E+SAO+DETIDOS+EM+CLINICAS+DE+ABORTO+DIZ+POLICIA.html

http://rjtv.globo.com/Jornalismo/RJTV/0,,MUL1265509-9097,00-POLICIA+FECHA+DUAS+CLINICAS+DE+ABORTO+EM+BOTAFOGO+E+UM+MEDICO+E+PRESO.html

8 comentários:

M. disse...

Ema, te aconselho a leitura de um autor interessante, chamado Peter Singer. Ele cria uma linha ética e segue, sendo não apenas pró-aborto, como também pró-infanticídio. O nome do livro é "Ética prática". Leitura interessante de verdade.

Bee disse...

Eu sou a favor do aborto. A natureza também. A sua utilização do desenvolvimento do sistema nervoso central como ponto de corte é útil, mas certamente imprecisa, como todas as outras, até porque o desenvolvimento da consciência é gradual, desde o início do desenvolvimento do sistema autônomo, e a consciência só termina de se desenvolver após o parto, aos nove meses.

Legalizar o aborto é uma questão de política de saúde, inclusive, como em muitos países.

E inclusive é uma hipocrisia você não poder abortar, mas poder ser cúmplice de genocídios sociais, ao não ser obrigado a fazer absolutamente nada para evitar a morte de centenas de pessoas que vivem em condições subhumanas debaixo do seu nariz todos os dias.

Na natureza, quando as condições climáticas, de superpopulação ou de escassez de alimentos estão adversas, as fêmeas grávidas abortam espontaneamente. E o green peace não vai lá prender elas por isso.

Mas, somos seres imperfeitos, paradoxais, e complexos. Vem a religião e piora tudo.

Mas parabéns, é um tema muito interessante.

JOHHNY BGOOD disse...

Porque esse questionamento sobre aborto Dani?O que te intriga...rsrs

Rodrigo Fagundes disse...

Também sou a favor do aborto, mas acho que precisa ser regulado de alguma forma, senão o ônus para o sistema de saúde vai ser brutal.

Nick. disse...

Eu sou a favor do aborto também. Algumas vezes sou quase a favor do infanticídio...

Acho que o ônus pro sistema de saúde é muito maior com a procriação desenfreada de pessoas sem condição de criar seus filhos, gerando um bando de crianças mal cuidadas e doentes o tempo todo. Crianças essas que irão onerar, além do sistema de saúde, o sistema educacional, a segurança (Quanto mais cidadãos, maior deve ser o numero de policiais) e devido aos maus cuidados do país e dos pais despreparados, oneram também o sistema prisional...

Léa Santana disse...

Como eu sou um tantinho prolixa, precisei colocar meu comentário aqui http://leasantana.wordpress.com/2009/08/14/sobre-o-aborto-para-ema/

Galdir Reges disse...

O que me preocupa são as conseqüências para a ética futura da sociedade com a legalização do aborto em qualquer estagio. Uma liberação pode levar a outra, e em algum tempo o assassinato pode ser banalizado. Quando já se começa a pensar em infanticídio, vai se discutir até quando é infância etc. Acho que as regras precisam ser simples para termos uma boa consistência na sociedade. Não matarás era simples.

Rodolfo S. Filho disse...

Eu acho que o aborto deveria ser permitido até a emergência das funções cerebrais superiores, por qualquer motivoque a mae deseje.
Sobre seu texto: você faz certas afirmações com bases em dados, mas não mostra os dados ou cita a fonte.
Sobre outros comentários:
1. Citar a natureza como justificativa para ações morais é falho. Somos seres envolvidos em camadas e camas de cultura e é dentro delas que devemos discutir o tema.
2. O argumento da espiral de decadência moral é bastante fantasioso e, se observarmos a história das civilizações, exatamente o contrário vem acontecendo.