sexta-feira, junho 07, 2013

Contos de Westeros - A garçonete.

Maddewn era só mais uma garçonete daquela famosa estalagem no entroncamento mais próximo de Darry. Como a maioria das garçonetes, ela já havia sido estuprada diversas vezes. Mesmo todos sabendo que estupro é um crime relativamente grave, é difícil punir a guarda real, ou a guarda dos lordes, ou mesmo os grupos de auto-proclamados rebeldes que passavam muito por ali. E isso diminuiria a entrada de dinheiro consideravelmente.

Ela não era especialmente bonita. Nem especialmente feia. Ela atraía os homens simplesmente porque estava lá. E eles... bem, eles muitas vezes estavam bêbados, cansados da viagem, sem sexo. E, convenhamos, estupro é uma prática muito comum em Westeros.

Algumas garçonetes resolveram lucrar com a situação, então as estalagens e bares eram, de certa forma, prostíbulos. As garçonetes trabalhavam e, se os homens se interessavam por elas, pagavam. Sem confusão, tudo muito prático.

No começo os donos dos negócios não entenderam o potencial econômico da prática, mas logo perceberam que sem confusão - e com uma divisão do pagamento extra do cliente - as estalagens, em geral, funcionavam melhor assim.

Maddewn, contudo, não participava desse esquema. Ela, por algum motivo que ninguém conseguia entender, se recusava a deitar com um homem sem ter desejo por ele. E, por mais que houvesse sempre outras opções disponíveis, possuir uma mulher contra sua vontade parecia ser algo excitante para boa parte dos viajantes daquelas áreas. Talvez para provar que a moça iria gostar no final ("mesmo que aquela vadia não tenha admitido"), ou simplesmente para demonstrar sua virilidade para os outros homens presentes. Ou quaisquer outros motivos igualmente nobres.

Por causa desse comportamento, Maddewn tinhas sérios problemas com o marido. Ele considerava inaceitável que sua mulher não cumprisse com o papel dela de esposa. Afinal, se tem uma coisa que os homens concordam, é que o casamento é (deveria ser) uma maneira de se conseguir sexo grátis. A qualquer hora. Toda mulher deveria cumprir com suas obrigações: cozinhar, arrumar a casa, cuidar das crianças, lavar roupa e deixar seu marido sexualmente satisfeito. Ela não precisa fazer TUDO - para isso servem as prostitutas - mas tem que estar disponível quando necessário.

Mas com Maddewn não era assim. Continua não sendo assim.

Gilmeroy e Maddewn casaram logo depois do fim da colheita de milho, numa vilazinha distante, próxima de Bandallon. Ele, sapateiro, ela, 12 anos. Nada melhor para seu futuro, já nessa idade, conseguir um casamento com um jovem promissor. Além disso, ele era bonito, Gilmeroy. E tinha algum respeito por sua mulher.

As coisas não começaram muito bem. Sejamos francos, quase nenhum casamento aqui em Westeros começa bem. Os homens não são ensinados a lidar com uma mulher para agradá-la, e as mulheres viram mulheres ainda cheirando a leite materno - por mais que trabalhem desde os 6, 7 anos.

Mas realmente, embora Gilmeroy seja gentil, na cama ele era... despreparado. Foi um começo complicado.

Mas Maddewn engravidou cedo, e seu marido não tinha um apetite sexual muito voraz. Quando ela chegou ao sétimo mês de casada, já estava com 4 meses de gravidez. Foi quando perceberam que ela estava grávida e, de comum acordo, acharam melhor parar com as atividades sexuais para "proteger o bebê". Gilmeroy não entendia nada do assunto - e não tinha mais mãe ou irmãs para lhe ajudar - e Maddewn, bastante esperta, se aproveitou da situação para fugir parcialmente de suas obrigações matrimoniais. No nono mês, ela se mudou para a casa da mãe para ter cuidados mais constantes. O bebê nasceu sem grandes problemas, e 40 dias depois Gilmeroy clamava por seus direitos maritais.

Às vezes Maddewn queria deitar com ele. Às vezes não. E embora Gilmeroy tenha sido compreensivo algumas vezes, em geral ele não aceitava um não como resposta. Assim, constantemente, Maddewn era estuprada pelo marido. Não que isso fosse algo fora do padrão, claro. É apenas um comentário.

Mas ela achava que não tinha que se submeter a isso. "É o sangue da avó", dizia sua mãe. A mãe de Maddewn não entendia qual era o problema da filha. Achava que a filha estava procurando confusão com essa rebeldia sem sentido. Afinal, já diziam os deuses, embora a mulher e o homem, depois do matrimônio,  sejam um só, a mulher deve servir a seu senhor. Ou seja, obedecer seu marido.

Maddewn tinha muito medo dos deuses. Medo e respeito, mas mais medo do que respeito, e boa parte do respeito vinha do medo. E ela não gostava de desafiar as ordens dos deuses. Eles deviam saber o que estavam falando, afinal. Mas ela achava simplesmente absurdo ter que se entregar a um homem sem desejá-lo.

Não porque ela quisesse exercer seu papel de ser humano, exercer sua vontade como uma entidade livre, ou de mostrar ao marido que ela tinha algum poder. Mas sim porque era doloroso. Deitar-se com alguém sem ter vontade, para Maddewn, era extremamente doloroso. Fisicamente doloroso. Claro, seus nervos ficavam destruídos, sua auto-estima caía, sua vontade de viver diminuía. Mas o pior era a dor que ela sentia durante o sexo-não-desejado-mas-consentido tão comum entre homem e mulher. Consentido para que o casamento não acabasse, para que a mulher não apanhasse - e tivesse que se deitar com seu marido de qualquer jeito - para que a vida seguisse o rumo que deveria seguir.

Quando a guarda real passou pela cidade, Maddewn sabia que algo de ruim iria acontecer. A Mão-do-rei estava a caminho de Blackcrown, para averiguar uma questão envolvendo o de sempre: chantagem, traição, insubordinação. Embora a cidade - sejamos francos, mal poderíamos chamar o lugar de vilarejo - fosse pequena, estava na rota da comitiva. Os homens pararam para comer e descansar. Ficaram por 4 horas.

Acontece que na vila quase não havia mulheres. Acontece que os homens da comitiva estavam precisando relaxar. Acontece que depois de algumas bebidas, os guardas costumam perder a cabeça. E aconteceu de Maddewn ser estuprada por 7 soldados sem parar por duas horas seguidas.

Acontece que, embora a Mão-do-rei entenda que seus homens precisam de diversão, entretenimento e relaxamento ocasionais, ele também compreendia os limites do aceitável. E os limites haviam sido totalmente trespassados no momento que os guardas que estupraram Maddewn terminaram por matar seu marido, após ele ter perdido a cabeça ao ver a cena e ter tentado impedir.

Gilmeroy não era um mau marido. Era até gentil, e um pouco bonito.

Que Maddewn tivesse sido estuprada, era algo chato. Mais de uma vez, desagradável. Por sete membros da Guarda Real, por duas horas seguidas, era quase inaceitável. Mas ter passado por isso e ter perdido o marido - que era o pai de seu filho e o sustento da família - era demais.

Sabendo que algo assim não passaria despercebido - e as notícias em Westeros não correm, voam - a Mão-do-rei teria que fazer algum acordo com a moça. Claro, compensações financeiras foram dadas. Dinheiro não é exatamente o problema do reino. Mas como Maddewn poderia continuar vivendo ali, sozinha, sendo lembrada por todos como "aquela-que-foi-seguidamente-estuprada-pela-guarda-real-em-tempos-de-paz"?

Mais algum dinheiro foi distribuído entre os moradores, para que o evento fosse apagado da história, e Maddewn foi convidada a morar em outro lugar.

Quando a comitiva voltava de Blackcrown, ela recebeu suas instruções, e foi assumir seu novo e primeiro emprego como garçonete e ajudante de cozinha e limpeza da Estalagem da Encruzilhada. Uma carroça velha a levou, junto com seu filho sem pai. Maddewn, agora portando sua tatuagem de viúva, obedeceu.

Hoje ela pensa em como era feliz. Sua vida simples, com seu filho, mãe por perto, e apenas um estuprador ocasional, era uma vida muito mais fácil do que a que ela tem agora. Além de trabalhar dez horas por dia, cuidar da criança e da casa, ser estuprada ocasionalmente por desconhecidos, ter adquirido algumas doenças por causa disso, ainda tem que ver seu filho crescer num ambiente nada familiar, entre prostitutas, vagabundos, guardas e outros tipos de escória.

Suas colegas sempre lhe perguntam porque ela não aproveita, já que a vida é assim mesmo, para ganhar um trocado a mais com os visitantes. Mas Maddewn não conseguiria aceitar isso.

quinta-feira, maio 30, 2013

Crianças

Eu me relaciono muito mais fácil com crianças do que com adultos. Além da idade mental ser semelhante, as crianças ou querem conversar ou não querem. Ou querem te ouvir ou não querem. Ou querem falar ou não querem. São muito criativas, riem por que sim, e se retam tb. Não ligam muito pra errar, se interessam por novidades (às vezes, claro), inventam histórias.

Gostam de ser levantadas e giradas loucamente, gostam de correr e gritar, gostam de fazer careta e dar língua, gostam de dançar. Gostam de câmera fotográfica, gostam de tinta e pincel, gostam de lápis de cor. Gostam de preto, de branco, de meio termo. Não tem sexo, ou gênero, ou amarras.

E as crianças sorriem os sorrisos mais lindos. Além, claro, de carregarem a maior das responsabilidades sobre o mundo e, por isso mesmo, pra mim, merecem mais cuidado e respeito até dos que já fizeram muito. Porque estes já fizeram, e as crianças TÊM que fazer. E vão pegar uma barra pesada pela frente.

Todas as crianças têm histórias adoráveis e aterrorizantes pra contar. E uma visão de mundo sempre, sempre, sempre apaixonante. Diferente do que você espera.

Quando criança eu não queria ser adulto. Adultos, por mais legais que fossem - o que não era muto comum - eram chatos. Limitados.

Eu sou MEGA chato, eu sei. Cheio de definições. Inclusive, encarar que o mundo é uma merda me fez ficar menos criança, mais chato. E muito limitado.

Não dá pra voltar a ser criança, e eu não quero. Mas é bom, de vez em quando, sentir o gostinho da beleza das coisas, da novidade, das possibilidades diferentes, da surpresa.

Por isso que eu leio, por isso que eu escrevo, por isso que eu trabalho com linguagem. Por isso que eu tento fotografar, tocar violão, jogar futebol. É pra lembrar de como é ser criança. E ser feliz, um pouco, sendo adulto.

sexta-feira, fevereiro 01, 2013

Chove.


Chove.

Chove, porra.

Que porra de calor infernal faz essa cidade. Não cai uma porra de uma gota dessa merda desse céu.
Fica aí, todo mundo suado, fedendo, nojento, parecendo um bando de porra junto.
Calor da desgraça.

E não passa uma porra de vento pra aliviar. E a gente é que se foda, todo mundo amarrotado nessa porra desse ônibus. Um bando de desgraça fedorenta, tudo junto, fedendo, suando, reclamando. Inferno.

E fica essa porra desse mar zombando da sua cara. Aí, essa porra toda azul, verde, sei lá, só pra te sacanear. E você indo pra um trabalho fudido, escroto, pra ganhar dois salários mínimos pra meterem uma porrada de merda pra você fazer todo dia. Vida escrota da porra.

E não chove nessa merda. Tem quase um mês que não cai uma porra de gota nessa merda. Nem pra dizer que de madrugada deu um chuvisco, uma aliviada. Porra nenhuma. Vai se fuder, caralho.

E ainda vai esse filha da puta desse motorista dirigindo que nem um escroto. A porra da velha do meu lado quase caiu da cadeira. E esse filho da puta atrás de mim com essa mochila nas costas. Bota essa porra no chão, seu corno. Como se essa porra desse ônibus já não tivesse entupido nessa desgraça. E ainda tem uns filha da puta pra ficar apertando mais. Bando de escroto.

E o outro sacana com essa porra desse rádio ligado. Vai tomar no cu, porra. Desliga essa merda. Não basta estar um calor da desgraça, todo mundo fedendo, apertado, indo pra um trabalho escroto, com um filho da puta dirigindo parecendo que tá comendo a mãe dele, e ainda tem um verme ouvindo rádio. Alto pra caralho. Vai se fuder.

Não aguento mais esse calor. Não é só essa porra dessa sede que dá. Tá com sede, bebe água. É esse abafamento. Porque não pode ser uma porra de um calor seco, não. Tem que ser um calor filha da puta de úmido, abafado, escroto. Nem numa porra de uma sombra essa merda melhora. E fica tudo ensopado de suor, mão, pé, costas, a porra toda. Como é que consegue trabalhar nessa porra desse calor? E ainda tem uns fudidos que têm que trabalhar de terno nesse calor. Vai se fuder. Pior é o filho da puta que manda o fudido trabalhar de terno.

Tem que ser muito filho da puta pra mandar um sacana trabalhar de terno nesse calor. Um sol da desgraça o dia inteiro, e tem corno que bota os sacanas pra correr mundo com esse terno escroto. Como é que aguenta essa porra desse calor nessa desgraça desse terno?

Aí chega na porra da sala, e tem uma desgraça de um ar-condicionado todo velho, barulhento, sujo como a porra, que finge que esfria mas não esfria. E você ainda tem que ficar que nem um sacana fingindo que tá tudo bem, que tá beleza, ficar numa porra de um lugar barulhento, apertado, quente, com uma porra de um ar sujo, com uma luz irritante, que não para de piscar, parecendo um filho da puta resolvendo um monte de merda da vida dos outros que no fundo não vai mudar a porra da vida de ninguém.

Tem que ser muito filho da puta pra ganhar dinheiro empregando gente pra se fuder fazendo coisas que nenhum corno merece, e ainda lucrar pra caralho em cima delas. Tem que ser muito filho da puta.

E ainda tem esse corno com essa porra desse rádio ligado nessa porra desse calor, num aperto da desgraça, num calor do inferno.

Aí chega um escroto e mete uma porra de uma bala num filho da puta desse, e o corno ainda acha ruim. Vai se fuder. E ainda tem o sacana dirigindo parecendo que tá sendo currado por uma manada de elefante. Seu filho da puta. Você tá levando gente, não é pedra não, desgraça.

E se fosse só hoje ainda tudo bem, mas é a mesma porra todo dia. Vai se fuder.

Que calor da porra. Puta que pariu. Que calor insuportável. Não aguento mais essa porra.

Não podia chover? Não podia chover só uma porra de uma hora, pra aliviar esse calor da desgraça? Não podia passar uma porra de um vento pra aliviar essa merda desse calor filho da puta? 

Se bem que essa porra ia ser pior, ia começar a chover e o bando de corno desse ônibus ia fechar as janelas parecendo um bando de puta feito de açúcar. Aí eu ia ter que aguentar a porra do calor, do suor, desse aperto filho da puta, desse sacana fazendo um barulho da porra, do desgraçado dirigindo feito um corno e ainda ia ficar com as porras das janelas todas fechadas. Rebanho de escroto.

Deixa essa porra assim mesmo. Vai todo mundo pra puta que pariu.