Maddewn era só mais uma garçonete daquela
famosa estalagem no entroncamento mais próximo de Darry. Como a maioria das
garçonetes, ela já havia sido estuprada diversas vezes. Mesmo todos sabendo que
estupro é um crime relativamente grave, é difícil punir a guarda real, ou a
guarda dos lordes, ou mesmo os grupos de auto-proclamados rebeldes que passavam
muito por ali. E isso diminuiria a entrada de dinheiro consideravelmente.
Ela não era especialmente bonita. Nem
especialmente feia. Ela atraía os homens simplesmente porque estava lá. E
eles... bem, eles muitas vezes estavam bêbados, cansados da viagem, sem sexo.
E, convenhamos, estupro é uma prática muito comum em Westeros.
Algumas garçonetes resolveram lucrar com a
situação, então as estalagens e bares eram, de certa forma, prostíbulos. As
garçonetes trabalhavam e, se os homens se interessavam por elas, pagavam. Sem
confusão, tudo muito prático.
No começo os donos dos negócios não
entenderam o potencial econômico da prática, mas logo perceberam que sem confusão
- e com uma divisão do pagamento extra do cliente - as estalagens, em geral,
funcionavam melhor assim.
Maddewn, contudo, não participava desse
esquema. Ela, por algum motivo que ninguém conseguia entender, se recusava a
deitar com um homem sem ter desejo por ele. E, por mais que houvesse sempre
outras opções disponíveis, possuir uma mulher contra sua vontade parecia ser
algo excitante para boa parte dos viajantes daquelas áreas. Talvez para provar
que a moça iria gostar no final ("mesmo que aquela vadia não tenha
admitido"), ou simplesmente para demonstrar sua virilidade para os outros
homens presentes. Ou quaisquer outros motivos igualmente nobres.
Por causa desse comportamento, Maddewn
tinhas sérios problemas com o marido. Ele considerava inaceitável que sua mulher não cumprisse
com o papel dela de esposa. Afinal, se tem uma coisa que os homens concordam, é
que o casamento é (deveria ser) uma maneira de se conseguir sexo grátis. A
qualquer hora. Toda mulher deveria cumprir com suas obrigações: cozinhar,
arrumar a casa, cuidar das crianças, lavar roupa e deixar seu marido
sexualmente satisfeito. Ela não precisa fazer TUDO - para isso servem as
prostitutas - mas tem que estar disponível quando necessário.
Mas com Maddewn não era assim. Continua não
sendo assim.
Gilmeroy e Maddewn casaram logo depois do
fim da colheita de milho, numa vilazinha distante, próxima de Bandallon. Ele,
sapateiro, ela, 12 anos. Nada melhor para seu futuro, já nessa idade, conseguir
um casamento com um jovem promissor. Além disso, ele era bonito, Gilmeroy. E
tinha algum respeito por sua mulher.
As coisas não começaram muito bem. Sejamos
francos, quase nenhum casamento aqui em Westeros começa bem. Os homens não são
ensinados a lidar com uma mulher para agradá-la, e as mulheres viram mulheres
ainda cheirando a leite materno - por mais que trabalhem desde os 6, 7 anos.
Mas realmente, embora Gilmeroy seja gentil,
na cama ele era... despreparado. Foi um começo complicado.
Mas Maddewn engravidou cedo, e seu marido
não tinha um apetite sexual muito voraz. Quando ela chegou ao sétimo mês de
casada, já estava com 4 meses de gravidez. Foi quando perceberam que ela estava
grávida e, de comum acordo, acharam melhor parar com as atividades sexuais para
"proteger o bebê". Gilmeroy não entendia nada do assunto - e não
tinha mais mãe ou irmãs para lhe ajudar - e Maddewn, bastante esperta, se
aproveitou da situação para fugir parcialmente de suas obrigações matrimoniais.
No nono mês, ela se mudou para a casa da mãe para ter cuidados mais constantes.
O bebê nasceu sem grandes problemas, e 40 dias depois Gilmeroy clamava por seus
direitos maritais.
Às vezes Maddewn queria deitar com ele. Às
vezes não. E embora Gilmeroy tenha sido compreensivo algumas vezes, em geral
ele não aceitava um não como resposta. Assim, constantemente, Maddewn era
estuprada pelo marido. Não que isso fosse algo fora do padrão, claro. É apenas
um comentário.
Mas ela achava que não tinha que se
submeter a isso. "É o sangue da avó", dizia sua mãe. A mãe de Maddewn
não entendia qual era o problema da filha. Achava que a filha estava procurando
confusão com essa rebeldia sem sentido. Afinal, já diziam os deuses, embora a
mulher e o homem, depois do matrimônio,
sejam um só, a mulher deve servir a seu senhor. Ou seja, obedecer seu
marido.
Maddewn tinha muito medo dos deuses. Medo e
respeito, mas mais medo do que respeito, e boa parte do respeito vinha do medo.
E ela não gostava de desafiar as ordens dos deuses. Eles deviam saber o que
estavam falando, afinal. Mas ela achava simplesmente absurdo ter que se entregar
a um homem sem desejá-lo.
Não porque ela quisesse exercer seu papel
de ser humano, exercer sua vontade como uma entidade livre, ou de mostrar ao
marido que ela tinha algum poder. Mas sim porque era doloroso. Deitar-se com
alguém sem ter vontade, para Maddewn, era extremamente doloroso. Fisicamente
doloroso. Claro, seus nervos ficavam destruídos, sua auto-estima caía, sua
vontade de viver diminuía. Mas o pior era a dor que ela sentia durante o
sexo-não-desejado-mas-consentido tão comum entre homem e mulher. Consentido
para que o casamento não acabasse, para que a mulher não apanhasse - e tivesse
que se deitar com seu marido de qualquer jeito - para que a vida seguisse o
rumo que deveria seguir.
Quando a guarda real passou pela
cidade, Maddewn sabia que algo de ruim iria acontecer. A Mão-do-rei estava a caminho de Blackcrown, para averiguar uma questão
envolvendo o de sempre: chantagem, traição, insubordinação. Embora a cidade -
sejamos francos, mal poderíamos chamar o lugar de vilarejo - fosse pequena,
estava na rota da comitiva. Os homens pararam para comer e descansar. Ficaram
por 4 horas.
Acontece que na vila quase não havia
mulheres. Acontece que os homens da comitiva estavam precisando relaxar.
Acontece que depois de algumas bebidas, os guardas costumam perder a cabeça. E
aconteceu de Maddewn ser estuprada por 7 soldados sem parar por duas horas seguidas.
Acontece que, embora a Mão-do-rei entenda
que seus homens precisam de diversão, entretenimento e relaxamento ocasionais,
ele também compreendia os limites do aceitável. E os limites haviam sido
totalmente trespassados no momento que os guardas que estupraram Maddewn
terminaram por matar seu marido, após ele ter perdido a cabeça ao ver a cena e
ter tentado impedir.
Gilmeroy não era um mau marido. Era até
gentil, e um pouco bonito.
Que Maddewn tivesse sido estuprada, era
algo chato. Mais de uma vez, desagradável. Por sete membros da Guarda Real, por
duas horas seguidas, era quase inaceitável. Mas ter passado por isso e ter
perdido o marido - que era o pai de seu filho e o sustento da família - era
demais.
Sabendo que algo assim não passaria despercebido
- e as notícias em Westeros não correm, voam - a Mão-do-rei teria que fazer
algum acordo com a moça. Claro, compensações financeiras foram dadas. Dinheiro
não é exatamente o problema do reino. Mas como Maddewn poderia continuar
vivendo ali, sozinha, sendo lembrada por todos como
"aquela-que-foi-seguidamente-estuprada-pela-guarda-real-em-tempos-de-paz"?
Mais algum dinheiro foi distribuído entre
os moradores, para que o evento fosse apagado da história, e Maddewn foi
convidada a morar em outro lugar.
Quando a comitiva voltava de Blackcrown,
ela recebeu suas instruções, e foi assumir seu novo e primeiro emprego como
garçonete e ajudante de cozinha e limpeza da Estalagem da Encruzilhada. Uma
carroça velha a levou, junto com seu filho sem pai. Maddewn, agora
portando sua tatuagem de viúva, obedeceu.
Hoje ela pensa em como era feliz. Sua vida
simples, com seu filho, mãe por perto, e apenas um estuprador ocasional, era
uma vida muito mais fácil do que a que ela tem agora. Além de trabalhar dez
horas por dia, cuidar da criança e da casa, ser estuprada ocasionalmente por
desconhecidos, ter adquirido algumas doenças por causa disso, ainda tem que ver
seu filho crescer num ambiente nada familiar, entre prostitutas,
vagabundos, guardas e outros tipos de escória.
Suas colegas sempre lhe perguntam porque
ela não aproveita, já que a vida é assim mesmo, para ganhar um trocado a mais
com os visitantes. Mas Maddewn não conseguiria aceitar isso.
Um comentário:
O texto está muito bom, a leitura é agradável, leve e rápida (quem leu Calvino sabe do que estou falando), o polimento das revisões é visível de uma forma positiva, e tem aqui e ali um estribilho de Mary Ann, da Regina Spektor (https://www.youtube.com/watch?v=X6GF-5pYD00). Em algum momento eu quis que o texto terminasse como a música termina, não com a morte do marido, mas talvez com o envenenamento de todo o bar ou qualquer coisa catártica do gênero, mas, bem, eu entendo que não poderia ser assim de qualquer forma. Isto faz parte de algum projeto maior envolvendo Westeros e todo aquele Jazz?
Curti o blog. Estarei por perto. :)
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