domingo, agosto 16, 2015

No restaurante


Ela estava atrasada. De propósito.
O cliente sempre a deixava esperando.
Pagava bem, tinha um caso relativamente fácil.
Mas abusava.
Ela decidiu não correr.
De longe podia saber onde ele estava.
Ele atraía a atenção das garçonetes.
As gorjetas ajudavam.
Mas ele era muito bonito.
Sorriso bonito, rosto bonito.
E ele também tinha um "quê" diferente.
Um ar, um sorriso diferente.
Ela se dirige à mesa dele.
Já sorrindo - ele sempre a recebe com uma cantada boba, mas bonitinha.
Mas dessa vez ele está acompanhado.
Ela para, um pouco assustada, um pouco contrariada.
Se sentiu um pouco traída.
"Que besteira, nós não temos nada".
Respirou e seguiu.
Ele a viu, sorriu e levantou, enquanto fazia o pedido à garçonete que não tirava os olhos dele.
Olá, disse, estendendo a mão, com um grande sorriso no rosto.
Ela ficou um pouco envergonhada, olhava de soslaio para a mulher à mesa, mas estendeu a mão, sem falar nada.
Ele puxa uma cadeira. Sente-se, por favor, bem ao seu lado.
Ela senta.
Esta é minha esposa, Júlia.
Como vai.
Prazer.
Espero que a presença dela não atrapalhe a nossa reunião.
Não, não, de forma alguma, ela diz, enquanto pensa, com um pouco de raiva: ele é casado!
Enfim.
Negócios.
Ela começa a lhe explicar o rumo que o caso deve tomar.
Ele chega mais próximo a ela. A esposa nem pisca.
Ele tem um perfume leve, muito gostoso, que só é possível sentir bem de perto.
Enquanto discutem o caso ele fica sério.
Ela acha bonito.
Ela gosta dos olhos dele seguindo as linhas dos papéis, enquanto a testa franze.
Ele pergunta algumas coisas, e sorri com as respostas.
Eles estão bem próximos, as pernas se tocam.
Até que a garçonete traz as entradas.
Pedi pensando em você também.
Eles guardam os papeis por alguns instantes. Vão se servir, suas mãos se tocam, levemente. Ela sente algo, ele parece não perceber.
A esposa dele está ocupada num telefonema interminável.
Ele oferece um petisco à esposa, que recusa.
Ele ri, e oferece a ela.
Ela acena, mas toma um susto, porque ele levou o petisco à sua boca.
Ela para, olha para a esposa dele, ao lado, alheia a tudo. Ele sorri, e insiste, com o olhar.
Ela aceita.
Seus lábios, levemente, tocam as pontas de seus dedos.
Ele sorri, satisfeito.
Comem um pouco. Ele a serve uma taça de vinho.
Não falam nada. Ele olha para o vazio, e de vez em quando olha para ela, bem nos olhos.
Ela fica um pouco intimidada.
Mas gosta.
Ela sorri, tímida.
Bebem.
Mais um pedaço de algo.
Ela fica com o canto da boca sujo.
Ele se apressa em limpar.
Ela gela.
Olha para o lado.
A esposa não está mais lá.
Ela procura Júlia com o olhar, e a encontra fora do restaurante, falando ao telefone.
A mão dele, agora em seu queixo, a traz de volta para a mesa.
Eles se olham profundamente por quase um minuto. A mão dele deixa seu rosto, desce para sua mão.
Ela treme, um pouco, nervosa. Não sabe o que fazer. E se a esposa voltar? Ela não quer nada com homens casados.
As mãos dele são um pouco pesadas e fortes, mas são macias.
Ele acaricia sua mão, enquanto a olha.
Júlia está voltando para a mesa. Ele sorri, aponta para a esposa com o queixo, e se afasta um pouco.
Ela respira, aliviada.
Uma garçonete se aproxima, com o cardápio. Ele faz pedidos para todos.
A esposa termina o telefonema, come algo. Eles dois se afastam um pouco, mas a mão dele continua sobre os joelhos dela.
Ela está incomodada.
É bom, mas é estranho, e tenso.
A mulher dele está ali, do outro lado da mesa.
Ele fala com a mulher sobre um evento que eles precisam ir na semana seguinte, enquanto inicia um carinho nos joelhos dela.
Lentamente.
Ela segura sua mão, mas ele não para.
É mais forte.
E ela não tem certeza se quer que ele pare.
Mais um vinho. Mais uma taça.
As mãos dele conseguem, aos poucos, avançar por entre as pernas dela.
Ele a olha nos olhos, de vez em quando.
E outras vezes, é como se ela nem estivesse ali, enquanto ele discute assuntos pessoais com a esposa.
Ela está muito tensa, já passou da fase de ter dúvidas se quer ou não, mas ainda está muito nervosa com a presença da outra ali.
A comida chega.
A esposa começa a comer e se concentra.
Ela esperava que ele fizesse o mesmo.
Mas ao contrário.
Ele não dá bola para a comida.
E avança sua mão por entre as pernas dela, até que não tem mais para onde avançar.
Ela dá um pequeno pulo na cadeira.
As mãos dele são quentes, assim como ela.
Ao menos, como ela está agora.
O coração bate rápido.
Ela abre as pernas, devagar. Está suando.
Ela tenta comer algo. Não consegue.
Preciso ir ao banheiro, ele diz. A esposa mal nota.
Ele levanta, e olha pra ela, sério. Sorri.
E sai.
Vai andando até o banheiro masculino. Olha pra trás, a cada 5 passos, para ela.
Ela não sabe o que fazer.
Ele para na porta do banheiro, olha para ela e entra.
Ela levanta.
Não diz nada, apenas sai da mesa.
Vai caminhando, nervosa, para o banheiro feminino.
Chega na porta, olha para os lados.
Ninguém parece notar ela por ali.
Vai até a porta do banheiro masculino.
Entra.
Ela nunca havia entrado num banheiro masculino antes.
Pia, urinóis, muitas portas.
Ele está de pé, em frente a um urinol.
Ele olha pra ela, e sorri.
Ela não sabe o que fazer.
Nervosa.
Muito nervosa.
Alguém poderia entrar a qualquer momento.
Ou sair de alguma das cabines.
Ele anda lentamente até ela, a puxa pela mão e a beija ali, no meio do banheiro.
Quente.
Forte.
Ela esquece onde está.
O coração está muito rápido.
A porta da cabine atrás dela está aberta. Ele a levanta pela cintura e a leva para dentro.
A porta fecha.
Do lado de fora, a porta do banheiro abre.
Ela fica tensa, paralisada.
Ela está tão tensa que não nota ele abrindo sua camisa.
Rápida, mas levemente.
E sua saia.
Ela tenta segurar as mãos dele, mas nem ela mesmo acredita mais nisso.

+_+_+


Silêncio no banheiro.
Ele a veste, rapidamente, e a conduz para fora, em segurança.
Ela, nervosa, atordoada, em êxtase, não sabe o que fazer.
Volte aqui amanhã para outro almoço. Eu devolvo os documentos. Mas chegue no horário.
Ela acena, ainda um pouco fora de si, e vai embora.
E passa a noite toda pensando no dia seguinte.

segunda-feira, maio 04, 2015

Esse obscuro objeto do desejo

- Amor...
- Oi, amor.
- Me diz uma coisa.
- Digo, claro. O quê?
- Queria saber sobre suas fantasias.
- Hum... Que que tem?
- Você já me contou algumas. Mas eu queria saber uma que você não teve coragem de me contar.
- Oi?
- É, uma bem barra pesada. Uma que você quase não tem coragem de admitir pra você mesmo.
- Tenho isso não.
- Ah, fala sério.
- Tô falando sério.
- ...
- Que foi?
- Não acredito.
- Mas por que  eu iria mentir pra você?
- Por vergonha. Por medo.
- Medo de quê?
- De eu achar sua fantasia absurda e te largar.
- Você me largaria por causa de uma fantasia absurda?
- Claro que não?
- Jura?
- Juro!
- Mesmo se eu fantasiasse com sua irmã?
- ...
- Aha!
- Não, amor, tudo bem. Eu entendo. Ela é linda, charmosa, inteligente, eu s...
- Eu NÃO fantasio com sua irmã. Era só um exemplo pra provar que minha fantasia secreta poderia ser tão absurda que você ficaria chocada e reagiria mal.
- Não, tudo bem. Foi só um susto. É só uma fantasia. Eu não acho que você vá cantar minha irmã.
- Eu NÃO fantasio com sua irmã.
- Ok, ok, mas não tem problema, foi só um susto.
- Certo.
- E com o que é, então?
- É sério que nós vamos continuar essa conversa?
- Claro! Eu adoro saber as maluquices que passam por essa cabecinha careca.
- Mas e se for uma coisa repugnante?
- Eu aguento.
- Duvido.
- Aguento, juro!
- Ah, para com isso.
- Por favor! Por favor, me conte!
- E se, sei lá, se eu fosse zoófilo?
- Transar com animais??? Que nojo!
- Viu que eu disse?
- Você gosta disso???
- Não, mas é isso que quero dizer, e SE eu gostasse? Você iria conseguir lidar com isso?
- Assim, é meio nojento...
- Pode ser BEM pior.
- Sério?
- Claro.
- Duvido.
- E se eu fosse zoopedófilo?
- O quê?
- Se eu gostasse não apenas de fazer sexo com animais, mas só com animais na mais tenra idade, antes de alcançarem a maturidade?
- Isso é errado!
- Você que perguntou.
- Nada por ser pior que isso.
- Claro que pode.
- Como assim?
- E se eu fosse zoopedopodófilo?
- Que diabos é isso?
- Alguém que gosta de fazer sexo apenas com as patas de animais ainda em desenvolvimento.
- Você é doente!
- Ah, é mesmo? E se eu fosse necrozoopedopodófilo? Gostasse de fazer sexo com as patas de animais bebês, mas só se eles estivessem mortos?
- Pare! Pare com isso!
- Ou melhor ainda! Copronecrozoopedopodófilo! Que quer transar com patas de animais bebês, mortos, mas apenas as que foram comidas, digeridas e excretadas!
- Que absurdo é esse que você está falando? Pare ou eu vou embora. Pare AGORA!
- Mas você não queria saber? Meus desejos mais profundos?
- Deixe de ser ridículo que você não gosta desses absurdos!
- Não, não. Na verdade minha fantasia envolve patas de animais bebês mortos que foram devoradas, digeridas e excretadas e depois congeladas! Criocopronecrozoopedopodofilia!
- Chega! Chega! CHEGA!
- VAI PIORAR! Pois saiba que eu gosto de fazer exatamente isso, só que embaixo d'água!!! Hidrocriocopronecrozoopedopodofilia!
- !
- É isso mesmo!
- !
- ...
- HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA! Seu idiota. Por um momento, você conseguiu me deixar extremamente enojada. Que merda. Mas tudo bem, foi engraçado.

+_+_+_+_+_+_+_+_+_+

- Amor.
- Oi Amor.
- Eu tenho uma fantasia que eu não tive coragem de contar.
- É mesmo? Você se cansou dos bebês bodes mortos congelados comidos excretados e sei lá o que mais?
- Não, é sério.
- Tá, o que é?
- Eu fico pensado que, quando eu morrer, eu...
- Ah, pelo amor de Deus, lá vem você me sacanear. Vá pra porra.
- Não amor, é sério.
- Sai daqui.
- Ô amor. Você sempre reclama que eu nunca me abro com você, que eu falo pouco, e quando eu venho contar um dos meus maiores segredos, você me trata assim.
- ...
- É sério.
- Ok. Me conte.
- Eu fico pensando. Quando eu morrer, eu não queria ser enterrado.
- O que isso tem a ver com fantasia sexual?
- Calma.
- Estou calma.
- Paciência, então.
- Está se esgotando.
- Ouça até o final.
- Continue.
- Quando eu morrer, eu não quero ser enterrado.
- Quer ser cremado?
- Não.
- Quer ter seu corpo doado para a ciência?
- Não, não. Eu quero ser bulinado.
- Como é?
- Isso. Quando eu morrer, eu quero ser bulinado.
- Não entendi.
- Essa é minha fantasia. Eu fantasio que, quando eu morrer, meu corpo seja vilipendiado com fins sexuais.
- Como assim???
- Exatamente assim. Eu me excito imaginando que meu corpo, morto, inerte, será utilizado para fins sexuais por outras pessoas.
- Meu Deus, você não pode estar falando sério.
- E de preferência, que introduzam coisas nos meus orifícios.
- Isso é revoltante!
- Se possível, algo que seja bem frio. Muito frio.
- ?!?!?!?!?
- Algo congelado. Algo que tenha sido congelado.
- Como assim?
- Assim. Talvez fezes que tenham sido congeladas.
- Que TIPO de doente é você????
- De preferência que as fezes tenham origem animal, isso é, que elas tenham vindo de um alimento que um dia foi um bicho.
- Pare! Saia daqui!
- Mas não qualquer parte do bicho. Não, não qualquer parte. A pata. Tem que ser a pata.
- Seu idiota!
- A pata de um bebê animal
- Doente!
- Meu desejo sexual secreto, minha fantasia mais íntima é, depois que eu morrer, que eu seja tocado com fins sexuais com a pata de um animal bebê que foi devorado, digerido e excretado, e em seguida congelado! É isso que eu desejo! Embaixo d'água! É isso sim! eu sou um Necroagrahidrocriocopronecrozoopedopodófilo!!!
- Sai daqui!!!!!

+_+_+_+_+_+_+_+_+_+

- Amor.
- Que é?
- Faz um carinho em mim?
- Vai tomar no cu, porra.
- Só depois de morto.


segunda-feira, fevereiro 23, 2015

Antes de dormir

Enquanto tocava nos cabelos dela, ele pensava no dia seguinte. Ela achava que ele estava concentrado na textura deles, pelo ritmo dos movimentos, e se deliciava.

Ele pensava na sua rotina e nas pequenas decisões que iria tomar ao longo do dia. Ela pensava nele. Como o toque de sua mão era macio, como  o carinho que ele fazia era tão bom, como eles estavam conectados.

Ele pensava no almoço. Amanhã era dia de malassado, e ele detesta malassado, teria que caminhar um pouco mais pra comer naquele à quilo da outra esquina. Ou então ficar no sanduíche mesmo. É, o mais provável é que ficasse com o sanduíche, o da outra esquina era muito abafado.

Ela tinha sono. O cafuné dele era tão bom. Ela estava feliz. Eles estavam juntos há algum tempo, e ele ainda tinha essa conexão com ela.

Ele tinha esquecido que amanhã era dia de revisão de textos. Ele xinga, mentalmente. Revisar o texto dos outros é um porre, ele pensa. Ainda mais quando tem tanta gente que não sabe nem ler, quem dirá escrever.

Ela está inebriada, pelo carinho e pelo amor. O toque gentil, a troca, o sentimento entre eles, era tudo muito reconfortante.

Ele está pensando no filme que ele vai ver com os amigos na quarta.

Boa noite, amor, estou caindo de sono. Te amo muito, ela disse.

Eu também te amo, bebê, respondeu, enquanto pensava no trânsito pra voltar pra casa, e achava que seria melhor esperar um pouco no fliperama da esquina.

quarta-feira, fevereiro 18, 2015

Atenta.

Atenta à mulher que muda os cabelos.
Atenta. São, também, sua força.
Atenta à mulher que assume seu cabelo para si; está a tomar posse de si.
Atenta, é mudança profunda. Roupas são pele; cabelo, expressão da raiz.
Atenta; e anda.